segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Doce Maturidade


Doce Maturidade
Muitos elogios e algumas críticas depois, a herdeira do criador do filé à Oswaldo Aranha está de volta – e em plena forma
 
POR MARTA BARBOSA

Bel Coelho só tem 30 anos e uma longa carreira como chef de cozinha. Começou com apenas 17 como estagiária do francês Laurent Suaudeau. Comandou as elogiadas cozinhas do Madeleine e do Sabuji, em São Paulo. E, depois de um projeto malsucedido em Londres e algumas viagens pela Europa, esteve à frente do Buddha Bar paulistano até dezembro. Agora, anuncia sua volta: dessa vez como sócia de uma casa que, como ela faz questão, “tem a sua cara”. O Dui (que significa alegria e conversas prazerosas em volta da mesa) abrirá as portas em abril numa charmosa construção dos Jardins, bairro da capital paulista. Ali, Bel promete uma cozinha mais madura, ainda criativa e enriquecida pelas experiências internacionais – bem ao modo de uma balzaquiana.

Prazeres da Mesa – Você já namora esse imóvel da Alameda Franca faz tempo, né?
Bel Coelho – Sim. Dois meses depois que assumi a cozinha do Buddha Bar, soube que o Siriuba foi colocado à venda. Cheguei a receber proposta do possível novo dono para trabalhar com ele, mas eu queria que meu próximo passo fosse a minha cara. Que ninguém me restringisse criativamente. O lugar ficou um ano e meio à venda. Eu cheguei a me esquecer dele. Aí, saí do Buddha e conheci o Cristiano Almeida, meu atual sócio (aliás, uma bênção – pela primeira vez me dou realmente bem com um sócio).

Por que tantos problemas com os sócios?
Esse ramo atrai bastante gente louca. Tem muito desocupado que acha que trabalhar em restaurante é fácil. No Madeleine era assim. No Sabuji, foi um pouco desse jeito. O Cris já tem dois restaurantes na Vila Olímpia, a gente fala a mesma língua.

Como foi sua saída do Buddha Bar?
Nunca estive feliz lá. Na verdade, eu sempre soube que seria uma empreitada curta.

Mas por que você sabia disso?
Porque não era meu ideal. Sempre quis trabalhar em uma casa grande, que tivesse muito movimento. Sei lá, achava importante como aprendizado.
O fato de ser uma casa da moda, fora do circuito gastronômico incomodava você?
Incomodava. Às vezes, eu ouvia: “Ah, você tem mais potencial que isso”, mas ninguém sabia das contas que tenho para pagar. Ainda não era a hora de fazer o meu.

O que incomodava mais no Buddha Bar?
A relação com os donos. Eles eram muito distantes. Eram 14 sócios. Não era um lugar bem administrado. Ainda assim, fiquei um ano e meio lá, até dezembro.

E o projeto do restaurante brasileiro em Londres, que fez você sair do Sabuji e passar uma temporada fora do país? Você se iludiu demais ou foi enganada na proposta?
Acho que pesquisei pouco o cara para quem trabalhei. Para ter uma ideia, há mais de 20 processos contra o empresário que tocou esse projeto, de fornecedores e ex-funcionários. Eu ainda fiquei seis meses lá, mesmo com salário pago com atraso e descumprimento de muitos pontos acertados.

Faltou dar ouvidos ao Laurent (que recebeu o mesmo convite e recusou depois de alguns meses de negociação)?
Faltou. O Laurent me avisou. Ele falou: “Bel, espera porque eu acho complicado, não aceita”. Eu ignorei, fiquei encantada, deslumbrada com toda a história de sair do país. O Sabuji foi um presente que me deram no sentido de que estava tudo certo, tinha muita coisa certa, mas na hora errada. Acho que muita coisa que aconteceu na minha vida foi precoce. Não porque eu não merecesse (sei que fiz um trabalho consistente), mas eu queria viver mais. Às vezes tinha a sensação de que era cedo demais.

E hoje, como é sua relação com o Laurent?
Boa. Gostaria de vê-lo mais. Não sobrou mágoa. Ele me criticou por ter feito o ensaio sensual.

Aliás, você acha que as fotos seminua na capa de uma revista masculina atrapalharam de alguma forma sua carreira?
As pessoas acharam que me perdi. Acharam que eu tinha enlouquecido. Mas “as pessoas” não me conhecem. A verdade é que quando fiz o ensaio estava bem insegura. Aquele é um capítulo pessoal da minha vida e não profissional.

Você acha que o Alex Atala, que fez a mesma coisa um ano antes, sentiu a mesma pressão?
Acho que não. A minha era mais sensual e eu sou mulher, né? Não me arrependo de ter feito, mas me arrependo de ter feito como fiz. Se fosse hoje, teria mais cuidado. Falavam na época: “Mas a Bel é inteligente. Como ela faria isso?” ou “Ela não precisa disso”. Mas eu não fiz porque precisasse. Acho que toda mulher tem um exibicionismo implícito.

Agora você está de volta aos Jardins, bairro paulistano marcadamente gastronômico. Isso entusiasma você?
Claro, embora agora esteja mais tranquila. Vou mais devagar. Não vou fazer festa de inauguração, não quero estar na mídia o tempo inteiro. Quero que as pessoas conheçam a casa aos poucos e conto com a propaganda boca a boca.

Você pretende embarcar numa cozinha tecnológica?
Gosto de usar a técnica em favor da memória e da minha história. Equipamentos modernos são apenas mais um artifício. Você aprende a fazer um caldo, a fazer um tipo de molho, e usa na criação uma técnica ou um aparelho. Tem chef que usa a técnica até o limite, e acha que está tudo certo.

Como reconhecer esse limite?
Cada um tem o seu e o melhor exemplo disso é o Ferran Adrià. Ir além dos limites é a história dele e só dele. Há outros chefs que sabem tirar proveito da tecnologia, como Alex Atala. Eu mesmo faço as experimentações. Há mais de oito anos uso espuma e gelatina. Já não é tão inovador assim. De repente, se couber na minha criação, eu ponho uma gelatina.

O que esperar do cardápio do Dui e do Clandestino? 
Será como a alta-costura e o prêt-à-porter. O Dui, que ficará no térreo, tem mais a cara do Sabuji, com uma pegada mais ibérica no sentido tradicional. Exemplo: em vez de ter só risoto, vai ter arrozes. Em cima, no Clandestino, será uma cozinha mais autoral, para poucos comensais, e deverá funcionar apenas alguns dias da semana.

Aliás, é verdade que a descendente do criador do filé à Oswaldo Aranha se redimiu e voltou à carne?
Sim, em nome da memória do meu bisavô não sou mais vegetariana. Inclusive, vou fazer o meu filé à Oswaldo Aranha. Diz meu avô que a receita original não tinha alho. Mas pode ser engano dele, porque ele não gostava de alho. Preciso pesquisar melhor. Sei que meu bisavô pedia ao cozinheiro para puxar o arroz branco no sangue que sobra da carne, junto com a batata portuguesa picada.

O que você não quer repetir no menu do Dui?
Não quero acatar a ideia de ninguém. Já fiz bastante isso. No Sabuji, tinha muito prato que os sócios me pediam. Agora quero bater o pé em relação à criação, acho que essa é a minha hora.

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